Clube de punks faz sucesso na Alemanha
Estou chegando como um ciclone
Meus relâmpagos reluzindo no céu
Você é apenas um jovem, mas vai morrer...
Todo torcedor tem a mania de achar que seu time é único. Não existe outro igual na face da Terra. Há quem seja tão seletivo que escolhe dentro de campo cores que sintetizem sua cultura, religião, etnia ou ideologia. Mas nenhum chegou tão longe quanto o FC St.Pauli, da Alemanha.
Sim, algumas agremiações têm peculiaridades. Mas essa pequena equipe de Hamburgo é realmente inigualável. Querem uma prova? As palavras que começam este texto, por exemplo. É a tradução dos versos iniciais de Hell’s Bells, clássico da banda de heavy metal AC/DC. É o som tocado no Millertorn-Stadion quando os jogadores entram em campo usando os inconfundíveis uniformes marrons. E quantos clubes que você conhece usam camisas dessa cor?
“É uma experiência que nem sei como descrever. É time como nenhum outro no mundo, acho”, arrisca o atacante Marius Ebbers.
Pois na temporada 2010-2011 do Campeonato Alemão o St.Pauli estará mais na moda do que nunca. Vice-campeão da segunda divisão, conseguiu acesso para a Bundesliga.
O símbolo adotado pelos fãs é uma bandeira de pirata, com crânio e ossos em forma de X. Ficou mais conhecido do que o escudo oficial. São os “rebeldes”, como foram apelidados pela imprensa. E o carisma por ser “alternativo” atraiu uma legião de jovens identificados com a visão de futebol de “punk rock”. “Estamos crescendo. Não somos mais uma utopia social. Vamos nos encaixar à realidade, sem perder nossa identidade”, defende o ex-jogador e atual técnico, Holger Stanislawski.
Fundado em 1889, o St.Pauli levou quase 100 anos para perceber qual o caminho para o sucesso. Pelo menos fora de campo. Na metade da década de 1980, a diretoria levou a sede para a área das docas de Hamburgo. Não exatamente o local mais bem frequentado da cidade. Era bem próxima ao Reperbahn, a zona de prostituição local. O time, porém, soube aproveitar mudança tão pouco usual e começou a atrair cada vez mais seguidores, identificados com a filosofia esquerdista politicamente e dispostos a tornar cada partida em ambiente festivo e musical.
“Em pouco mais de um ano, passamos a ter torcida com perfil específico. Tivemos alguns resultados adversos com a bola rolando, mas não paramos de crescer”, constata o chairman (o chefe da diretoria) Corny Littman.
Colaborou para isso o St.Pauli ter sido pioneiro em banir manifestações nazistas no seu estádio. Ajuda também o clima de diversidade cultural e confraternização reinante. O Millertorn tem uma cafeteria onde elenco e aficionados podem se encontrar e conversar sobre o jogo minutos após o apito final.
Ah, só para constar: Corny Littman é assumidamente homossexual. Diferente? O St.Pauli já teve um presidente travesti. Na metade dos anos 90, atletas posaram algemados para foto antes de uma partida.
Mas mesmo no mundo punk rock do distrito da luz vermelha (e esquerdista), as coisas estão mudando. Em 2012, o clube terá novo Centro de Treinamento. O estádio vai passar a receber 27 mil espectadores. Atualmente são 22 mil. Patrocinadores fizeram com que a diretoria aumentasse o orçamento, neste ano, em 40 milhões de euros (R$ 92,4 milhões). Uma diferença e tanto. Em 2004, bandas inglesas de punk em Birmingham organizaram festival para arrecadar dinheiro que ajudou a salvar a equipe da falência.
Até o tradicional placar manual, orgulho dos fãs, foi desativado. Se bem que o eletrônico, inaugurado em 2007, foi feito para que seja bem parecido com o antigo xodó do público. Que não são poucos fora da Alemanha. O St.Pauli tem cerca de 200 associações de torcedores espalhadas pelo planeta.
Embora o exemplo alemão seja o caso mais extremo, há outros clubes capazes de unir pessoas por afinidades que vão além da simples escolha futebolística. Quem também recebeu o apelido de “rebelde” foi o FC United of Manchester, criado por torcedores do Manchester United descontentes com a venda dos Diabos Vermelhos para o magnata americano Malcolm Glazer. Estão na sexta divisão da Inglaterra. O Bradford City está na quarta e é representante das comunidades paquistanesa e indiana que vivem fora de Londres. Na cidade onde atuam os Bantams, 20% da população são representadas por pessoas dessas nacionalidades.
Para não sair do Reino Unido, a rivalidade Rangers e Celtic é famosa pela questão religiosa. Mas não é apenas isso. Este último é o time dos irlandeses do sul, que deixaram o país na época da grande fome e foram para Escócia e América. Dos nove milhões de torcedores, um milhão está nos Estados Unidos. É representante mundial da Irlanda da mesma forma que o U2, por exemplo. “É a equipe que une seus torcedores no exterior justamente pela sua raiz nacional. E não há como fugir disso. É muito mais que um clube de futebol ”, defende o escritor Brian McGuirk, autor do livro “The Ireland Connection” (sem lançamento no Brasil).
Celtic está associado aos irlandeses assim como Ajax (na Holanda) e Tottenham (na Inglaterra) com a comunidade judaica. Mas no primeiro caso, o fenômeno é curioso. Mesmo quem não é judeu e torce pela agremiação de Amsterdã, carrega símbolos com a estrela de Davi. Quem é da religião, não tem coragem de ir muitas vezes aos estádios por causa dos cantos anti-semitas das outras torcidas. “Isso virou quase uma coisa de folclore. Não é questão religiosa, nem política. Eles apenas dizem: sou torcedor do Ajax, então sou judeu”, afirma o jornalista holandês Henk Spaan.
Paolo Di Canio gostaria de roubar a frase, mas adaptá-la às suas convicções. Ídolo da Lazio, clube favorito do antigo ditador Benito Mussolini, ele é a cara dos Ultras, os torcedores mais violentos da Itália. “Eu sou fascista”, já disse mais de uma vez. Já quem acompanha o Assyriska, da segunda divisão sueca, preferiria afirmar: “sou assírio”. Porque é mesmo. O time foi fundado, é dirigido e tem seus fãs entre pessoas da etnia assíria que saíram da Síria, Iraque, Irã e Turquia. Como não há apenas um país que una todos eles sob uma mesma bandeira, enxergam no Assyriska a seleção que os representa.
São, de certa forma, os sucessores dos CSKA’s e Dínamos espalhados pelos países da Cortina de Ferro antes da queda do Muro de Berlim (em 1989). Era quando o Exército tinha sua própria equipe (geralmente CSKA na então União Soviética ou Bulgária ou Steua, no caso da Romênia) e a polícia secreta tinha outra.
O futebol brasileiro tem menos casos, mas não significa que esteja imune ao fenômeno do esporte como “nicho de mercado”. Talvez o mais inusitado seja o Legião FC. Fundado em 2006, é homenagem a Renato Russo, vocalista da banda Legião Urbana, morto em 1996. O filho do cantor, Giuliano Manfredini, é presidente de honra do clube-empresa que começou como um projeto social. Nas partidas realizadas no Distrito Federal, o público é composto por convidados de companhias que patrocinam a equipe ou fãs da banda e de Renato Russo.
A religião também une, se é que essa palavra é correta. O CENE, no Mato Grosso do Sul, é mantido pela Associação das Famílias para a Unificação e a Paz Mundial, braço filantrópico da Igreja da Unificação, comandada pelo Reverendo Moon. A torcida é composta, em boa parte, por fiéis da doutrina que garante ter 4,5 milhões de seguidores em todo mundo. A fortuna do Reverendo Moon, que já foi acusado de lavagem de dinheiro pelo Ministério Público no Brasil, também mantém o Atlético Sorocaba na Série A-2 do Campeonato Paulista.
Na real, todo mundo tem um clube para chamar de seu.
FONTE: