Matéria no Correio Braziliense sobre o St.Pauli
Agradecimentos: Braitner Moreira
http://www.superesportes.com.br/app/19,88/2012/01/23/noticia_futebol_internacional,27955/disputando-a-segunda-divisao-alema-o-st-pauli-ganhou-torcedores-ate-no-brasil.shtml
Empresários russos, indianos e árabes que bancam contratações absurdas, equipes que fazem dívidas monstruosas, times que mudam de cidade e de nome. No cenário alternativo do futebol europeu, essas realidades estão distantes. E poucas equipes as confrontam tão bem quanto o Fußball-Club Sankt Pauli, ou simplesmente St. Pauli, da segunda divisão alemã. Os “piratas da liga”, como são conhecidos, carregam no nome um dos principais bairros de Hamburgo.
O bairro St. Pauli, que há algumas décadas abrigava operários do porto local, mudou bastante com a chegada de universitários, atraídos pelo baixo custo de vida. O time local também mudou. Depois de atravessar diversas crises, o clube, agora, pertence aos próprios torcedores. Uma figura como a da Autoridade de Investimento do Qatar, que despejou 90 milhões de euros para contratações do Paris Saint-Germain, por exemplo, não tem lugar ali.
Constantemente, os representantes das torcidas do St. Pauli se reúnem em assembleias que decidem os rumos do clube. As iniciativas de marketing, portanto, precisam da aprovação dos apaixonados que vivem o dia a dia do time. Logo, é mais fácil encontrar guitarras ou skates personalizados do que bonequinhos de algum atleta. No modelo de gestão, os apoiadores decidem até conselheiros e presidentes da equipe.
As ideias levaram o time de uniforme marrom a se tornar símbolo cult para os alemães. Mais que isso: o St. Pauli se tornou a primeira equipe alemã a banir de suas fileiras os neonazistas e ultranacionalistas. Também oficializou, em estatuto, o compromisso em ser contra a homofobia e o racismo. Mesmo assim, continua desconhecido para boa parte dos fãs de futebol que moram longe da Alemanha, afinal os resultados esportivos não encantam. Nos últimos 10 anos, os “piratas” disputaram a primeira divisão alemã apenas duas vezes e, em ambas, acabaram rebaixados.
Se fosse no Brasil, a brincadeira, talvez, não durasse tanto, mas, na Alemanha, os resultados desanimadores não afastaram a torcida do Estádio Millerntor, que esteve sempre lotado, mesmo nos quatro anos em que a equipe amargou a Terceirona. Quem está longe acompanha os jogos do time pela internet, em transmissões tão piratas quanto o símbolo do St. Pauli. A outra opção é acessar a rádio local.
Longo casamento
Na temporada passada, o St. Pauli esteve na primeira divisão do Campeonato Alemão, mas foi rebaixado, como lanterna. O que seria motivo de demissão de treinador em qualquer outro time virou prova da devoção da torcida pirata: Holger Stanislawski ficou no cargo até o fim da temporada, sem ser vaiado. “Gosto muito da relação que o time tem com os torcedores, é muito diferente do que estamos acostumados a ver. Quando o St. Pauli ganha, é uma festa. Quando perde, a torcida canta para apoiar”, conta Luciana Leal. Quando o rebaixamento do time foi confirmado, a torcida agradeceu ao comandante pelo ótimo trabalho nos três anos anteriores.
Fã-clube no Brasil
Em uma sociedade em que a informação se espalha com facilidade, é claro que o St. Pauli atravessaria o oceano. “Brasileiro gosta de futebol, política e música, então um time que envolve tudo isso de uma forma tão legal sempre chama a atenção”, acredita a designer de moda Luciana Leal, 34 anos, brasileira e torcedora do clube alemão. A paulistana pretende confirmar, no próximo mês, o lançamento do St. Pauli Brasil, primeiro fã-clube oficial da equipe por essas bandas. “Você se interessa inicialmente por ser um time com aura rebelde. Com o tempo, se pega apaixonado, mesmo o time não sendo brilhante e jogando na segunda divisão”, afirma.
A posição política e social do St. Pauli foi um dos fatores que levou o gaúcho Guilherme Daroit, 22, para as fileiras do clube. “Essa coisa totalmente libertária, paradoxalmente, é institucionalizada lá e isso me arrebatou de vez”, conta o estudante, que acompanha todos os jogos do time. A questão estética também teve sua importância na hora de escolher a equipe. “É a afirmação da cor marrom”, brinca.
Por ser uma equipe de posicionamento bem definido e pouco conhecida mundo afora, para Daroit, existe uma certa homogeneidade entre os torcedores do St. Pauli. “Quase todos seguem um certo padrão de pensamento, opiniões, gostos, o que acaba servindo como seletor social e reafirmando a simpatia pelo clube”, afirma o rapaz.
Mudanças a passos curtos
Enquanto o St. Pauli tem reunido torcedores ao redor do mundo, os espanhóis do Athletic Bilbao permanecem fechados no País Basco, orgulhosos de representar o povo de sua terra. Em 1911, os leões foram obrigados a nacionalizar o elenco. Para comprar briga com a federação espanhola, a equipe decidiu utilizar apenas jogadores bascos, para provar que conseguiria vencer mesmo sem jogadores do resto da Espanha. Desde então, a rebeldia virou tradição.
As barreiras de Bilbao, no entanto, têm caído lentamente. Só em 1987 é que um não basco pôde atuar pelo time, mas ainda assim porque os pais do zagueiro Patxi Ferreira haviam nascido na província. A próxima fronteira a ser quebrada é a de aceitar os “estrangeiros” sem ligação com a região, pois o clube já toma como basco qualquer jogador que tenha passado pelas categorias de base dos pequenos times da região.
Quando o zagueiro Royo, 20 anos, estrear com a camisa alvirrubra, inaugurará essa nova fase. A Real Sociedad, maior rival do Athletic, teve uma fase de transição mais rápida. Com maus resultados, em 1989, o time contratou o goleiro galês John Aldridge e abriu o mercado para jogadores de outros países, mas só alguns anos depois a torcida do clube aceitou que fossem trazidos espanhóis de fora do País Basco.
Nacionalistas
Fora da Europa, é comum encontrar equipes que não aceitem estrangeiros em seu elenco. É o caso do mexicano Chivas Guadalajara e do costa-riquenho Deportivo Saprissa. O equatoriano El Nacional, que se passar pela Pré-Libertadores será rival do Vasco no Grupo 5, também adota a política nacionalista.
Política esportiva na arquibancada
Diversos clubes do cenário alternativo europeu costumam chamar a atenção por suas posições políticas. Em jogos do Apoel, equipe mais popular do Chipre, manda a tradição que os torcedores balancem a bandeira grega. As principais torcidas organizadas do time cipriota acreditam que o pequeno país ainda deveria estar sob domínio grego — e fazem questão de deixar isso claro enquanto o time joga.
A posição é inversa à de várias torcidas organizadas da Espanha. A maioria dos clubes de províncias separatistas costuma levar bandeiras regionais para o estádio. O caso mais emblemático é o do Barcelona, que tem o símbolo da Catalunha no uniforme e na faixa de capitão, mas muitos clubes do segundo escalão deixam claro a preferência local, como o Cádiz, o Osasuna, o Alavés e o Celta de Vigo.
Na Itália, em 2003, um relatório policial analisou as torcidas de 128 times das quatro primeiras divisões do país e identificou que 49 dessas são politizadas. Apesar de a maior parte pregar ideais conservadores, algumas fogem da corrente, com movimentos de extrema-esquerda. É o caso dos apoiadores da Ternana, do Ancona e, principalmente, do Livorno.
O Livorno carrega o nome da cidade toscana e herdou a preferência política local. Desde a queda do ditador Benito Mussolini, na década de 1940, todos os prefeitos livornenses eleitos vieram de partidos de esquerda. A mistura entre política e futebol no clube amaranto chegou ao ápice quando o atacante Cristiano Lucarelli foi contratado, em 2003. Ele rompeu com o Torino para jogar na cidade natal. “A política está em todas as coisas, inclusive na minha camisa. Há jogadores que compram um iate, uma Ferrari. Eu compraria a camisa do Livorno”, escreveu, em sua biografia.
http://www.superesportes.com.br/app/19,88/2012/01/23/noticia_futebol_internacional,27955/disputando-a-segunda-divisao-alema-o-st-pauli-ganhou-torcedores-ate-no-brasil.shtml
Disputando a segunda divisão alemã, o St. Pauli ganhou torcedores até no Brasil
Pequenos clubes europeus chamam atenção pela alternatividade. Razões políticas, ideológicas, culturais ou nacionalistas agitam as arquibancadas dos menores escalões do velho continente
Braitner Moreira - Especial para o Corrio Braziliense
Publicação:
23/01/2012 14:30
Empresários russos, indianos e árabes que bancam contratações absurdas, equipes que fazem dívidas monstruosas, times que mudam de cidade e de nome. No cenário alternativo do futebol europeu, essas realidades estão distantes. E poucas equipes as confrontam tão bem quanto o Fußball-Club Sankt Pauli, ou simplesmente St. Pauli, da segunda divisão alemã. Os “piratas da liga”, como são conhecidos, carregam no nome um dos principais bairros de Hamburgo.
O bairro St. Pauli, que há algumas décadas abrigava operários do porto local, mudou bastante com a chegada de universitários, atraídos pelo baixo custo de vida. O time local também mudou. Depois de atravessar diversas crises, o clube, agora, pertence aos próprios torcedores. Uma figura como a da Autoridade de Investimento do Qatar, que despejou 90 milhões de euros para contratações do Paris Saint-Germain, por exemplo, não tem lugar ali.
Constantemente, os representantes das torcidas do St. Pauli se reúnem em assembleias que decidem os rumos do clube. As iniciativas de marketing, portanto, precisam da aprovação dos apaixonados que vivem o dia a dia do time. Logo, é mais fácil encontrar guitarras ou skates personalizados do que bonequinhos de algum atleta. No modelo de gestão, os apoiadores decidem até conselheiros e presidentes da equipe.
As ideias levaram o time de uniforme marrom a se tornar símbolo cult para os alemães. Mais que isso: o St. Pauli se tornou a primeira equipe alemã a banir de suas fileiras os neonazistas e ultranacionalistas. Também oficializou, em estatuto, o compromisso em ser contra a homofobia e o racismo. Mesmo assim, continua desconhecido para boa parte dos fãs de futebol que moram longe da Alemanha, afinal os resultados esportivos não encantam. Nos últimos 10 anos, os “piratas” disputaram a primeira divisão alemã apenas duas vezes e, em ambas, acabaram rebaixados.
Se fosse no Brasil, a brincadeira, talvez, não durasse tanto, mas, na Alemanha, os resultados desanimadores não afastaram a torcida do Estádio Millerntor, que esteve sempre lotado, mesmo nos quatro anos em que a equipe amargou a Terceirona. Quem está longe acompanha os jogos do time pela internet, em transmissões tão piratas quanto o símbolo do St. Pauli. A outra opção é acessar a rádio local.
Na foto maior, o treinador Stanislawski faz reverência à torcida do St. Pauli. Acima, a faixa pede aos brigões: calem a boca e bebam cerveja |
Longo casamento
Na temporada passada, o St. Pauli esteve na primeira divisão do Campeonato Alemão, mas foi rebaixado, como lanterna. O que seria motivo de demissão de treinador em qualquer outro time virou prova da devoção da torcida pirata: Holger Stanislawski ficou no cargo até o fim da temporada, sem ser vaiado. “Gosto muito da relação que o time tem com os torcedores, é muito diferente do que estamos acostumados a ver. Quando o St. Pauli ganha, é uma festa. Quando perde, a torcida canta para apoiar”, conta Luciana Leal. Quando o rebaixamento do time foi confirmado, a torcida agradeceu ao comandante pelo ótimo trabalho nos três anos anteriores.
Luciana torce para o St. Pauli: paixão pelo time da Segundona |
Em uma sociedade em que a informação se espalha com facilidade, é claro que o St. Pauli atravessaria o oceano. “Brasileiro gosta de futebol, política e música, então um time que envolve tudo isso de uma forma tão legal sempre chama a atenção”, acredita a designer de moda Luciana Leal, 34 anos, brasileira e torcedora do clube alemão. A paulistana pretende confirmar, no próximo mês, o lançamento do St. Pauli Brasil, primeiro fã-clube oficial da equipe por essas bandas. “Você se interessa inicialmente por ser um time com aura rebelde. Com o tempo, se pega apaixonado, mesmo o time não sendo brilhante e jogando na segunda divisão”, afirma.
A posição política e social do St. Pauli foi um dos fatores que levou o gaúcho Guilherme Daroit, 22, para as fileiras do clube. “Essa coisa totalmente libertária, paradoxalmente, é institucionalizada lá e isso me arrebatou de vez”, conta o estudante, que acompanha todos os jogos do time. A questão estética também teve sua importância na hora de escolher a equipe. “É a afirmação da cor marrom”, brinca.
Por ser uma equipe de posicionamento bem definido e pouco conhecida mundo afora, para Daroit, existe uma certa homogeneidade entre os torcedores do St. Pauli. “Quase todos seguem um certo padrão de pensamento, opiniões, gostos, o que acaba servindo como seletor social e reafirmando a simpatia pelo clube”, afirma o rapaz.
Mudanças a passos curtos
Enquanto o St. Pauli tem reunido torcedores ao redor do mundo, os espanhóis do Athletic Bilbao permanecem fechados no País Basco, orgulhosos de representar o povo de sua terra. Em 1911, os leões foram obrigados a nacionalizar o elenco. Para comprar briga com a federação espanhola, a equipe decidiu utilizar apenas jogadores bascos, para provar que conseguiria vencer mesmo sem jogadores do resto da Espanha. Desde então, a rebeldia virou tradição.
No Bilbao, apenas os nascidos e os descendentes do País Basco jogam |
Quando o zagueiro Royo, 20 anos, estrear com a camisa alvirrubra, inaugurará essa nova fase. A Real Sociedad, maior rival do Athletic, teve uma fase de transição mais rápida. Com maus resultados, em 1989, o time contratou o goleiro galês John Aldridge e abriu o mercado para jogadores de outros países, mas só alguns anos depois a torcida do clube aceitou que fossem trazidos espanhóis de fora do País Basco.
Nacionalistas
Fora da Europa, é comum encontrar equipes que não aceitem estrangeiros em seu elenco. É o caso do mexicano Chivas Guadalajara e do costa-riquenho Deportivo Saprissa. O equatoriano El Nacional, que se passar pela Pré-Libertadores será rival do Vasco no Grupo 5, também adota a política nacionalista.
O Apoel comemora vitória na Liga dos Campeões: torcida com opinião |
Diversos clubes do cenário alternativo europeu costumam chamar a atenção por suas posições políticas. Em jogos do Apoel, equipe mais popular do Chipre, manda a tradição que os torcedores balancem a bandeira grega. As principais torcidas organizadas do time cipriota acreditam que o pequeno país ainda deveria estar sob domínio grego — e fazem questão de deixar isso claro enquanto o time joga.
A posição é inversa à de várias torcidas organizadas da Espanha. A maioria dos clubes de províncias separatistas costuma levar bandeiras regionais para o estádio. O caso mais emblemático é o do Barcelona, que tem o símbolo da Catalunha no uniforme e na faixa de capitão, mas muitos clubes do segundo escalão deixam claro a preferência local, como o Cádiz, o Osasuna, o Alavés e o Celta de Vigo.
Na Itália, em 2003, um relatório policial analisou as torcidas de 128 times das quatro primeiras divisões do país e identificou que 49 dessas são politizadas. Apesar de a maior parte pregar ideais conservadores, algumas fogem da corrente, com movimentos de extrema-esquerda. É o caso dos apoiadores da Ternana, do Ancona e, principalmente, do Livorno.
O Livorno carrega o nome da cidade toscana e herdou a preferência política local. Desde a queda do ditador Benito Mussolini, na década de 1940, todos os prefeitos livornenses eleitos vieram de partidos de esquerda. A mistura entre política e futebol no clube amaranto chegou ao ápice quando o atacante Cristiano Lucarelli foi contratado, em 2003. Ele rompeu com o Torino para jogar na cidade natal. “A política está em todas as coisas, inclusive na minha camisa. Há jogadores que compram um iate, uma Ferrari. Eu compraria a camisa do Livorno”, escreveu, em sua biografia.